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Review This Story || Author: Geraldo Antonio Lelis De Freitas

Podridao (Portuguese)

Part 10

CAPÍTULO 10

O JULGAMENTO

O tempo passou... Passou... Passou, ela sem saber onde estava, a dor no ânus cada vez mais forte, calor causticante, fome e sede horríveis, pano seco incomodando os nervos da face devido a imobilidade e desconforto da boca, angústia pelas incertezas e agora mais a vontade de defecar e urinar.

Mexeu-se para trás. Vazio. Foi se arrastando, cautelosamente, centímetro por centímetro daquele chão duro, frio e áspero, esfolando os cotovelos, os quadris. Encostou as costas no que lhe pareceu ser uma parede. Forçou as costas contra ela e viu que era tão ou mais áspera do que as do chão. Observou a diferença então: o chão era com pedras que, para ela, assemelhavam-se à paralelepípedos, só que de formato irregular; a paredes, se é que era uma parede, lisa por completo, lembrando-lhe a aspereza de um reboque mal feito. Ou sem acabamento.

Recolheu os pés, apoiando as costas na parede, e com muito esforço, conseguiu ficar em pé. Agradeceu não terem amarrado seus tornozelos. Separando os pés, firmou-se contra a parede. A vista escureceu dentro da escuridão do capuz. Quase caiu. Firmou-se bem, agachou-se, esperou a tontura passar e depois tornou a ficar em pé.

Levou seu pé esquerdo, arrastando, para a direita, sentindo chão firme. Trouxe o esquerdo para próximo do direito. E assim foi ganhando pedacinhos do chão e tomando conhecimento de onde estava. Percebeu uma parede roçar-lhe o braço direito. Parou, o medo se apossou dela. Forçou um pouco mais e encontrou a firmeza de uma outra possível parede. Estava em um dos cantos do que para ela seria uma sala.

A vontade de defecar veio mais intensa. Tentou segurar as fezes, forçando uma perna contra a outra, obstruindo o orifício anal. Quase perdeu o equilíbrio. Quando viu que não conseguiria segurar mais e para evitar sujar-se mais ainda, agachou-se bem no canto e soltou o barro sobre fortes dores do seu canal anal. Junto veio a urina e o cheiro muito fétido. Ficou ali um bom tempo, aliviando-se. Ao sentir que se tinha esvaziado por completo, levantou-se novamente.

Calor, mau cheiro, e dores mais intensa no ânus e menos por todo o corpo. Afastou o pé direito. Ao fazer o mesmo, roçou o monte de fezes. Arrepiou-se de nojo. Esfregou o pé mais que pode no chão. Continuou sua demorada caminhada até que chegou à outra parede. Sentou-se e procurou descansar. Não ouvia nada, continuava sem perspectivas de direção e o mal cheiro cada vez mais se intensificando. Sentou-se de vez para minimizar as dores dos músculos das pernas.

A sede agora era o seu maior martírio. O estômago também doía-lhe intensamente. O corpo lhe parecia uma só chaga com os esfolados a arderem. Onde estava Tati? Marcela? O que havia acontecido com Sheila? Tão meiga, tão carinhosa e depois... Será que era tudo uma seqüência de fatos pré-programados desde a chegada naquele lugar até agora? Somente agora ia atando os laços da meada. Marcela sabia de coisas que ela, agora com certeza, não havia contado. Será que Sheila, Tati e Marcela haviam participado das mortes de Selma e Leandro? Será que Selma e Leandro haviam mesmo morrido? E agora, o que seria dela? O que a esperava? O pranto correu de seus olhos tornando-se mais incômodo o capuz apertado.

Levantou-se, com mais dificuldades ainda e continuou seu percurso. Atingiu o terceiro canto da tal sala. Já tinha a idéia de que era pequeno. Talvez um lance de dois ou três metros, e o outro com as mesmas medidas. Apenas ainda não havia encontrado uma porta, se é que havia. Poderia ser na parte superior do cômodo, como em uma jaula. Animou-se em descobrir e percorreu o outro lance. Também não encontrou nenhuma porta. No quarto lance achou a tal porta ou o que lá fosse. Assustou-se com o frio do metal inteiriço. Conseguiu mexer a mão esquerda atada no antebraço direito e bater, muito de leve no metal. Pelo barulho deduziu ser inteiriço, grosso e de metal maciço. Não havia ressonância alguma. Tentou localizar alguma maçaneta, alguma fechadura. Esfregou todo o seu corpo por toda a tal porta. Nada encontrou. Deduziu logicamente que ela deveria ser aberta somente por fora. Lembrou-se de que dera a volta por quatro lances, portanto estava mais ou menos perto de onde começara a “viagem”, e logicamente próxima ao monte de fezes e da urina que fizera. Voltou e se colocou no canto anterior, onde se deixou sentar. Também estava exausta, com fome, sede, dores e enojada do mau cheiro do cubículo. Permaneceu ali, chorando.

Não sabia dizer a quanto tempo estaria ali, naquela posição. A dormência de seus braços que latejavam, o silêncio de uma tumba, a inércia de pensamentos dominados pela falta de perspectivas, tudo, lhe possibilitaram o que lhe pareceu um pequeno sono. Ela, na realidade, não sabia se dormira, desmaiara ou simplesmente vegetara. Só sabia que havia se desligado. Algo fizera um “click” e ela agora estava diferente, como se estivera em uma outra dimensão. E as imagens, agora bem nítidas, lhe passavam pela mente.

Os pregos trespassando lentamente e bem pertinho dela, os pés de Selma, primeiro um, gritos horríveis, cheiro adocicado de sangue e depois o outro, mais gritos, mais sangue; a marreta que ela mesma, horrorizada, obrigada e mecanicamente, usara no pênis de Leandro, cujo grito nunca mais sairia de sua mente; a vela cozinhando lentamente a vagina de Selma que totalmente imobilizada, só urrava, pedia misericórdia; o éter sendo pingado sobre o pênis dilacerado de Leandro; as unhas grossas, pontudas e sujas do carrasco abrindo ainda mais as marcas profundas das lambadas com arame farpado, fazendo Selma arregalar seus olhos sem forças para gritar; o fogo subindo, primeiro cozinhando o saco escrotal de Leandro, depois torrando seus mamilos, os gravetos acesos e tomando conta de todo o seu corpo. O miserável esbravejava por detrás dos panos que lhe enfiaram na boca, aflição de não se poder mexer, tudo não saia de sua mente. E ela deitada, presa por correias em uma mesa, assistindo tudo aquilo e desesperadamente apavorada por não saber qual seria o destino que haviam lhe reservado.

E agora ela se sentia na mesma situação. O que fariam com ela? Onde ela estava? Por que ela precisava passar por todo este sofrimento? Por que ninguém fazia nada para salvá-la?

O desespero aumentando, a angústia destruindo o poder de raciocínio, o pavor pela expectativa, em um crescente avassalador não lhe deu tempo de perceber que as fezes estavam saindo de seu cu, escorrendo por suas pernas dobradas, misturando-se com a urina que escorria entre as pernas, passando pela sua boceta e chegando ao chão onde se misturava com a bosta, aumentando o cheiro desagradável que já persistia no ambiente. Mayra não se mexeu. Corava copiosamente sob o capuz, quase se asfixiando com as próprias lágrimas.

Muito, muito tempo depois, com sede desesperadora, fome doentia, ela ouviu um ruído de porta se abrindo. Ela não sabia se ficava alegre ou triste. Alguém com água e comida ou com um chicote. Não se moveu. Todo o seu corpo doía. As feridas de seu cu sujas de bosta e urina estavam cada vez mais infeccionadas. Os esfolados latejavam.

• Putz grilos, que catinga mais podre, credo!

Era uma voz masculina, longe, mas grave.

• Essa magricela come urubu, na certa.

Ela devia estar horrível mesmo. Nunca se achara bonita, mas agora com a fome que estava e a sede que a matava deveria estar terrível. Magricela, magricela ela não era, sabia disso. Diga-se: era sequinha?

Viu-se levantar por duas grossa e grande mãos, uma em baixo de cada axila.

• Caralho, so! Ela cagou aqui também. Ih, meu! Ela está toda suja. Essa filha de uma puta “tava” era com caganeira.

Eles não podiam estar falando assim dela não. Caganeira... nesse tempo todo em que estivera sozinha defecara duas vezes apenas. Isso é lá caganeira? Epa, tá saindo bosta outra vez.

• Olha, ela tá cagando de novo. Credo, que caldo mais feio e mal cheiroso. Esta desgraça deve estar doente com câncer intestinal. Nunca tinha visto merda assim.

Claro, imbecil! Eu não como nada há horas. Mas que tá fedido está. Estava sendo arrastado, Os pés estavam imobilizados pela paralisia dos músculos. Deitaram-na no chão duro de pedra. Podiam soltar os seus braços. Pelas vozes percebia que havia ali dois cômodos e pelo ar que a haviam tirado do cômodo em que defecara. Outras vozes.

• Quer dizer que vamos ter que limpar esta imundice feita por esta cadela ai de fora? Por que ela não limpa com a boca e a língua. Não foi ela mesmo quem sujou?

Arrepiou-se toda ao lembrar de quando comera as próprias fezes e bebera a sua urina em cima daquela maldita mesa. Ainda lembrava de que tivera de mastigar tudo lentamente engolindo aquele suco ácido, nojento de sua bosta com sua urina. Lembrava de cada mastigada que dera, cada amassada nos troços enfiados em sua boca, amassando-os, revolvendo-os para depois engolir tudo aquilo, parte por parte.

Foi novamente agarrada. Dessa vez pelas axilas e pelos tornozelos. Conseguiu, desta vez, acompanhar as descidas e subidas de escadas, as viradas em corredores, até que adentraram em um lugar e a colocaram no chão. Fizeram-na ficar de barriga para o chão, pisaram-lhe na nuca e desamarraram seus punhos. A dor foi muito forte ao mexer os braços. Os músculos paralisados há muito tempo relutavam em se estender. Notou uma mão em cada punho seu puxando e esticando seus braços. Ela gritou, mas ninguém a ouviu devido a mordaça na boca. Colocaram-na em pé e a arrastaram para um determinado lugar onde puxaram seus braços para cima e para o lado, e os prenderam com argolas de couro presas a correntes. O mesmo fizeram com os seus tornozelos. Tudo foi esticado simultaneamente ficando ela como um X.

Gritou, sem ser ouvida, ao receber o primeiro jato de água gelada. Gelada mesmo, não, fria. No chão a espécie de mesa de tábua que pisava estava girando e o jato de água percorrendo todo o seu corpo. Era muito forte e causava imensa dor. Era como se a cutucassem com pontas de uma lança. Ao ficar de costas para o jato teve este batendo em suas nádegas e vagina. Era como chicotadas. Dedos arregaçaram seu ânus e a água forçava entrar. Os mesmos dedos, arregaçaram ainda mais a sua boceta e a água conseguiu lavar mais profundamente. O banho demorou um bocado de tempo, o suficiente para abrir os esfolados e rebentar as feridas infeccionadas de seu cu.

Afrouxaram as correntes e desafivelaram os punhos e os tornozelos. Seus braços foram torcidos para trás o que lhe causou uma intensa dor. Inesperadamente tiraram-lhe o capuz e sem nenhuma perda de tempo enfiaram a sua cabeça em uma vasilha com um líquido muito gelado, perfumado e causador de intensa dor em seus olhos, pior do que aquelas que acontecem quando o sabão penetra nos olhos de alguém. Tentou se debater, mas estava bem segura por duas mãos que lhe esfregavam os cabelos. Um puxão para trás e o ar entrou em seus pulmões. Tossiu, os olhos apertados tentando minimizar a dor, totalmente cega e mãos massageando seu rosto, apertando os seios e esfregando seu abdome. Novamente a cabeça dentro do líquido. Fechou os olhos, mordeu os lábios ao sentir que o seu ânus era penetrado por alguma coisa lisa e escorregadia. Lembrou-se do banho que Sheila e Tati lhe deram. Estava afogando. Tentou levantar a cabeça. As mãos não a deixaram se mover. Desmaiou, sem ar.

Ouviu vozes. Várias, masculinas, femininas, algumas risadas baixinhas, tosse. Levou as mãos à cabeça. Estavam presas. Alguma coisa prendia seus punhos. Estava sentada. Abriu os olhos.

Era um salão enorme. À sua direita, várias cadeiras perfiladas horizontalmente em duas fileiras; à sua frente, uma mesa alta, em cima de um estrado, trabalhada, com um assento mais alto e outros dois mais baixos; à sua esquerda uma mesa bem menor, simples, com uma cadeira. Já vira aquele cenário em filmes: era um tribunal.

Ela sentia-se sentada em uma cadeira de braços, nos quais estavam atados seus punhos; seus tornozelos também estavam presos aos pés da cadeira. Sentia apenas. Só constatou ser verdade sua impressão ao avistar os pulsos realmente presos por correias largas e afivelados. Tentou falar, mas percebeu que estava amordaçada e com alguma coisa enfiada em sua boca: parecia um canudo grosso de plástico duro. Uma corda a prendia pelo abdome impossibilitando qualquer movimento. Uma coleira em seu pescoço, com tiras de couro envolvendo a sua cabeça, a impedia de volver a cabeça e ver alguma coisa atrás dela. Apenas ouvia o burburinho de vozes.

Uma mulher, aliás duas, com vestidos longos, rodados, muito antigos, surgiram à sua frente com olhares curiosos. Testas franzidas, olhos admirados, uma chegou a se curvar para a frente, inspecionando-a detidamente.

• Cruz credo, uma porcariazinha destas a fazer tantas besteiras! O que estará virando este mundo.

• Cadela, coisa do demo – dizia uma delas – Vais pagar todas as suas maledicências e atos profanos, ordinária do demo.

O coração de Mayra disparou. Quem seriam aquelas pessoas? Do que mesmo a acusavam? Se havia alguém do dedo seriam elas mesmo. Que maluquice era tudo aquilo?

Soou uma voz, imponente, grossa e alta:

• Levantem-se! Adentra neste momento neste Tribunal de Inquisição o Juiz Inquisidor Don Alberto de Aguillar. Curvem-se, vassalos!

Inquisição? Tribunal? Ela aprendera quando estudara Medievalismo, ser a Inquisição o período mais negro da História da Igreja Católica. Mas isso lá pelos anos de 1.300, 1.400. Que farsa era aquela? Um teatro? E qual o seu papel nesta estória toda?

• Sentem-se – ordenou a mesma voz

• Fiéis seguidores desta Inquisição – falou o Juiz – Recebam os jurados deste Tribunal, homens e mulheres de bem.

Adentraram ao salão, em fila indiana, alguns homens e mulheres que ocuparam ordeiramente as cadeiras enfileiradas. Estavam vestidos com uma batina de monge, cor marrom e capuz que lhes cobria os rostos, as cabeças baixas, em sinal de submissão, segundo deduziu Mayra, pasma diante de tudo aquilo.

• Recebamos agora o Acusador, Don Fernão Moreno Diaz, mui digno representante da Justiça desta Comunidade.

Entra um homem altivo, também encapuzado, passos rápidos e se assenta ao lado direito do Juiz. Retira o capuz, descobrindo e expondo a sua face. Mayra não o conhecia, nunca o vira antes.

• Comunico aos presentes, e à... Miserável ré suspeita, que o seu advogado de defesa, alegando incompetência para tal, desistiu de atuar neste tribunal. Portanto, inicie-se este julgamento.

O burburinho cresceu e o coração de Mayra disparou.


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